Cheguei da praia com o Alfredo e
dei de cara com uma cena inesperada. Num daqueles vasinhos que ficam na
entrada da casa, aqueles que reservo para as mudas que aparecem ou para os
brotos que tiro das plantas, havia um ninho de ave. Na verdade, percebi que
algo estava diferente quando vi soltas no chão as palhas e gravetos que
restaram da obra. Desconfiei, mirei. Estava lá. Um desses que levam dias para aprontar
e jazem para sempre vazios depois da gestação dos bichinhos.
E eu, você, todas nós oito,
sabemos o quão pouco romântica é a aventura de um ovo, de um parto, de um
nascimento. Lembra das caçadas que fazíamos aos ovos das codorninhas dos vizinhos?
Elas ficavam dias catando ramos e fiapos de grama seca, entrelaçavam aquilo com
o desespero de quem sabe que a hora urge. E nós, todas nós oito, devassávamos as hortinhas
para rancar-lhes tudo em instantes.
Sabe, minha irmã, às vezes acho que
deus – seja louvado – me pune por essas caçadas até hoje. Passa pela minha
cabeça, sozinha na cama de casal, com o Alfredo dormindo no quarto ao lado, que
meus ninhos sempre estiveram vazios. Que eu os preparei com tamanho afinco para
nada. Que minha punição por perseguir as codorninhas foram setenta anos, de lá
para cá, dedicados a fazer ninhos que permanecerão vazios.
Que minha primeira ninhada só
abandonou a casa crescida, disso eu sei. Mas levou também a minha capacidade
orgânica de gerar novos rebentos. Deixei em uma mesa de cirurgia os tecidos que
abrigaram Alberto por tanto tempo. Desde então, meus ninhos são artificiais.
Como aquele que construí para a
Fernanda, tão doce menina que não se habituou a uma casa conturbada, com um pai
ciumento, um irmão quizilento e uma mãe que nela depositava seus desejos de
plenitude. Foi-se depois de um tempo, deixou-me de presente uma jarra de suco,
mas nenhuma foto. Por ela oro e choro.
Como aquele que tentei construir
para o meu lindo Alberto, que amei e amo com convicção, mas que comigo tanto se
arreliou e hoje me trata com desdém. Coisa de filho. (enquanto escrevo isso,
penso que todos os ninhos são artificiais, não tem nada natural nessa história.
Talvez eu seja, isso sim, uma péssima artesã.)
O nosso ninho também não era dos
mais sólidos, maninha. Viemos cedo para um ambiente que não conhecíamos,
dissolvemo-nos em lugares os mais distantes uns dos outros, morremos. Sobramos
eu e você, minha amada. O último fiapo – ou talvez a última farpa – que nos
liga ao ninho familiar vem da nossa relação. Sinto-me tão fraca.
Henrique, neto que me caiu no
colo de mãe, foi minha última tentativa de construir um ninho que permanecesse.
Manteve-se por anos, talvez mais que o do Alberto. Mas ruiu. Sinto que ele
nutre raiva por mim, que me odeia. Alfredo o roubou da mãe, como se colocasse
em minhas mãos um ovo a chocar. Eu cuidei, defendi, abracei, amei, mas não tem
jeito. Como os ovos das codorninhas que enganamos – faz setenta anos, minha
irmã! -, ele cobrou seu preço. Seguiu seu caminho e hoje me visita com carinho
intermitente.
Coleciono vasos, planto flores. Nascem-me brotos todos os
dias. Sei que nenhum é meu.